O bairro é marcado por enchentes, remoções de moradores e dificuldades de acesso à água potável, saneamento básico e coleta de lixo
Do Jornal do Commercio
Foto: Guga Matos/JC Imagem
Marcadas por alagamentos e desapropriações, famílias do bairro de Muribeca, Jaboatão dos Guararapes, Região Metropolitana do Recife, temem mais transtornos com projeto de requalificação na região. Apesar de atrativo para o ramo de logística do estado de Pernambuco, com acesso à BR-232 e às praias do Litoral Sul e próximo à BR-101, o bairro é marcado por enchentes, remoções de moradores e dificuldades de acesso à água potável, saneamento básico e coleta de lixo.
De acordo com levantamento coordenado pelo doutor em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Fabrízio Listo, Muribeca é um dos bairros que concentra áreas de risco em Jaboatão dos Guararapes. O estudo teve como critérios o histórico de ocorrências, alta vulnerabilidade social e construtiva, suscetibilidade a ocorrência e moradias precárias.
Atualmente, a localidade, que é uma ZEIS (Zona Especial de Interesse Social), está recebendo obras do projeto de requalificação do Canal Mariana, um dos canais afluentes do Rio Jaboatão, e preocupa famílias do entorno.
Moradores afirmam que um desvio irregular do curso da água está sendo feito e já está prejudicando a população. “As margens do canal estão sendo aterradas muito altas, acima do nível das casas. Além das mudanças climáticas, esses aterros têm contribuído muito para a água dentro das nossas casas”, afirma Luiz Cláudio Gomes de Melo, 47, morador do bairro há 38 anos e cofundador do movimento Somos Todos Muribeca.
O ativista relata que a falta de diálogo com a Prefeitura de Jaboatão e pontua que a intervenção está aproximando o canal da comunidade e tornando os alagamentos mais frequentes. “Quando a prefeitura veio aqui uma das vezes, passou informações superficiais, mas não apresentou o projeto. Também não tem nenhuma placa dessa obra que vai impactar muitas famílias. A falta de informação foi o que gerou esse pânico na comunidade”, diz.
PROTEÇÃO AMBIENTAL
Para os moradores de Muribeca, era necessário que, antes da intervenção, a gestão fizesse um estudo social, ambiental e econômico na região. Moradora do bairro há 43 anos, Maria Nazaré, 65, cita o desmatamento da vegetação nativa como uma das consequências do projeto.
A casa a poucos metros das obras apresenta problemas estruturais que, de acordo com ela, são resultado da intervenção. “Quando o rolo compressor passou, essa parte rachou”, aponta em uma das paredes da residência.
Maria Nazaré também relata que os alagamentos são mais frequentes na comunidade. “A minha casa nunca tinha enchido de água e em 2022 a água chegou a 1,5 metro”.
O cofundador do Somos Todos Muribeca destaca outros problemas que prejudicam o meio ambiente na região, como a falta de pavimentação dos canais e a disposição do material do desassoreamento do canal na margem. “Ano passado, eu tive que tirar minha esposa e meus filhos de casa porque a água estava invadindo e isso não era comum”, conta.
“A gente não tem a intenção de travar o progresso e não é contra a implementação de empresas. Só queremos que as coisas aconteçam de maneira responsável porque as mudanças climáticas estão aí e, diante desse contexto, temos o agravamento cotidianamente por causa dessas intervenções”, esclarece Luiz Cláudio.
Em ofício encaminhado ao Ministério Público do Estado de Pernambuco (MPPE), o Centro Popular de Direitos Humanos (CPDH) afirma que o desvio do Canal Mariana é irregular, apontando problemas como a ausência de estudos de impacto ambiental e social na área e o aumento da exposição da ZEIS ao risco.
“A primeira constatação relacionada ao projeto apresentado é a de que o desenho adotado nada mais é do que o resultado de uma escolha projetual que privilegia o terreno das empresas e aposta na canalização, ou artificialização, do córrego em detrimento de sua renaturalização e preservação da comunidade existente”, pontua o documento.
A organização social solicita ao MPPE documentos relacionados ao licenciamento ambiental da obra e ao projeto, a suspensão das atividades e a realização de estudos de impacto socioeconômico da obra.
REMOÇÕES
“O projeto fala da remoção de 150 famílias e isso é algo que a gente já viveu na época das demolições dos prédios de Muribeca. A gente já é muito machucado com isso”, explica Luiz Cláudio.
O CPDH afirma que “há centenas de formas de redesenhar a intervenção de tal maneira a não prejudicar as moradias das comunidades lindeiras ao Córrego Mariana, adotando o curso e o traçado original do córrego ao invés de propor o seu deslocamento de forma tão grotesca e irresponsável, preservando suas características naturais e suprimindo menos vegetação”.
O bairro é marcado por desapropriações. Em 2006, moradores do Conjunto Residencial Muribeca precisaram desocupar seus apartamentos depois de serem constatados problemas estruturais. Eles esperaram por mais de 14 anos pelas indenizações e muitos protestaram contra os valores recebidos.
Em nota, a Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes esclareceu que há anos busca alternativas para solucionar os históricos problemas de alagamento existentes na região da Muribeca. De acordo com o comunicado, a execução do projeto vem se dando por meio de um Termo de Compromisso com empreendedores locais e a Secretaria Municipal de Infraestrutura não identificou nenhum descumprimento aos projetos ou à legislação.
O texto afirma também que “qualquer caso que requeira o reassentamento de famílias será discutido junto às pessoas envolvidas”. Os projetos foram feitos pelas empresas TECHNE e ENGECONSULT e a obra do Canal Mariana é realizada pela Construtora SAM.
VEJA A NOTA COMPLETA
“A Prefeitura Municipal de Jaboatão dos Guararapes esclarece que vem há anos buscando alternativas para solucionar os históricos problemas de alagamento existentes na região da Muribeca. Uma das ações realizadas pela gestão é a macrodrenagem de canais afluentes do Rio Jaboatão, com base em projetos desenvolvidos por consórcio de duas empresas respeitadas no ramo, que seguem as normas das legislações em vigor e que já apresentaram resultados bastante positivos nas chuvas, com rápido escoamento das águas.
A execução do projeto de requalificação do Canal Mariana vem se dando por meio de um Termo de Compromisso com empreendedores locais, com acompanhamento da Secretaria Municipal de Infraestrutura, que não identificou nenhum descumprimento aos projetos ou à legislação. As questões ambientais estão sendo tratadas junto à Secretaria de Meio Ambiente do município, que vem sempre discutindo os impactos gerados pela intervenção e as compensações pertinentes, inclusive com o Ministério Público.
O município tem buscado esclarecer aos moradores do entorno que a requalificação do canal Mariana é imprescindível não só para evitar alagamentos na região, pelo bem coletivo, mas também para promover a urbanização necessária na Zona de Interesse Social (Zeis), conforme previsto em legislação. Qualquer caso que requeira o reassentamento de famílias será discutido junto às pessoas envolvidas, uma vez que as normativas da Zeis preveem que residências sob ameaça de alagamento ou inundação não poderão ter seu espaço regularizado.”
O PROJETO
A requalificação do Canal Mariana está inserida nos projetos do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Prefeitura do Jaboatão, selecionados pelo Governo Federal. Ao todo, serão investidos R$ 73,3 milhões, contemplando, ainda, os canais Muriçoca, Integração Muribeca, Curado I, Riacho da Prata e Três Carneiros, todos afluentes do Rio Jaboatão.
O anúncio foi feito em julho deste ano. Na época, o secretário-executivo de Saneamento e Elaboração de Projetos de Jaboatão dos Guararapes, Alex da Silva Ramos, afirmou que a gestão municipal tem enfrentando o problema dos alagamentos “com execução de obras de manutenção dos cursos d'água e adequação da estrutura de macrodrenagem dessas regiões”.
O secretário também pontuou que “a requalificação desses e outros canais é fundamental para vencermos esse desafio, por isso estávamos na torcida pela aprovação dos projetos, que preveem o desassoreamento, revestimento e requalificação da urbanização do entorno dos canais, permitindo o fluxo adequado das águas e evitando alagamentos nas comunidades dos bairros de Muribeca, Prazeres e Curado I”.
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